sexta-feira, 18 de abril de 2008

Cecília

Em julho, mês friozinho que nos faz desejar ficar em casa e ler um bom livro, vamos falar das escritoras e poetisas brasileiras. A primeira delas, Cecília Meireles, cujo livro Viagem Vaga Música, que é uma leitura deliciosa e muitíssimo feminina, acaba de ser relançado em edição com preço popular de R$ 11.90, nas bancas de jornal. A poesia de Cecília é feita por uma mulher, e por isto traçada a partir de um sem número de perspectivas sobre as coisas que os homens jamais poderiam ter...como ela mesma diria em seu poema Noções - “Entre mim e mim, há vastidões bastantes/para a navegação dos meus desejos afligidos./Descem pela água minhas naves revestidas de espelhos./Cada lâmina arrisca um olhar, e investiga o elemento que a atinge. “

"Nasci no Rio de Janeiro, três meses depois da morte do meu pai, e perdi minha mãe antes dos três anos. Essas e outras mortes ocorridas na família acarretaram muitos contratempos materiais, mas ao mesmo tempo me deram, desde pequenina, uma tal intimidade com a morte que docemente aprendi essas relações entre o Efêmero e o Eterno. Em toda a vida, nunca me esforcei por ganhar nem me espantei por perder. A noção ou sentimento da transitoriedade de tudo é o fundamento da minha personalidade."

Cecília Meireles nasceu no Rio de Janeiro, em 7 de novembro de 1901, mesma cidade em que morreu, a 9 de novembro de 1964. Criada pela avó materna, Jacinta Garcia Benevides, viveu uma infância de silêncio e solidão, salva por sua paixão pelos livros, que formaria o seu caleidoscópio poético. Desta época, existem os versos e cantigas compostas para os seus brinquedos. Aos 16 anos, se diploma professora, estuda outros idiomas e ingressa no Conservatório Nacional de Música, onde tem aulas de canto e violino. Neste momento, Cecília começa a escrever poesias, mas somente aos 18 anos, ela publica o seu primeiro livro de poemas: Espectros. Três anos mais tarde, casa-se com o artista plástico português Fernando Correa Dias, que ilustraria suas futuras obras e seria pai de suas três Marias: Elvira, Matilde e Fernanda. Seus primeiros livros têm como tema o misticismo, o desejo da união da alma humana com Deus. A partir de 1925, a educadora Cecília Meireles se sobressai à poeta, publicando o livro Criança, meu amor, que posteriormente seria indicado como leitura oficial nas escolas. Dois anos depois, ela se candidata à cátedra de literatura da Escola Normal, mas o cargo destinava-se a alguém reconhecidamente católico, e ao apresentar um trabalho que falava sobre liberdade individual na sociedade, é desclassificada. Apesar disto, mantém a sua preocupação com a educação no país e, de junho de 1930 e janeiro de 33, cria e dirige uma coluna sobre educação no Diário de Notícias do Rio de Janeiro. No ano seguinte, inaugura o Centro de Cultura Infantil do Pavilhão do Mourisco, no Rio.

Em 1935, seu marido se suicida e a poetisa fica responsável pela educação das três filhas. Volta a lecionar; escreve sobre folclore no jornal A Manhã e crônicas para o Correio Paulista. Além disso, mantém sua atividade no Pavilhão Mourisco. A Biblioteca Infantil, é um sucesso no Rio de Janeiro até 37, quando é invadida e fechada por um interventor do Estado Novo, por divulgar o livro As Aventuras de Tom sawyer, de Mark Twain, um clássico norte-americano, considerado uma obra comunista.

O ano de 38, marcará seu retorno à poesia, com o livro Viagem, que recebe o Prêmio de Poesia da Academia Brasileira de Letras, fundamental para que Cecília se dedicasse totalmente à sua arte.

Em 1940, casa-se com Heitor Grillo e parte para o exterior, para ensinar literatura e Cultura Brasileira na Universidade do Texas e em diversos países da América do Sul e da Europa. Até o final dos anos 40, produz intensamente, criando obras onde transmite de maneira magistral à sua perplexidade diante do enigma da existência humana. O início da década de cinqüenta será de grande produtividade poética e de idéias inéditas como a pesquisa que fundamenta uma de suas obras mais conhecidas, o Romanceiro da Inconfidência, publicado em 1952, cuja narrativa rimada, com forte acento histórico e nacionalista, remete o leitor à Inconfidência Mineira. No mesmo ano em que o Romanceiro é publicado, Cecília Meireles recebe o título de Doutor Honoris causa da Universidade de Déli, na Índia. Ela havia sido convidada pelo governo indiano a participar de um simpósio sobre a obra de Gandhi. O trabalho lhe rendeu o título concedido. Até a sua morte vivia em plena atividade literária, deixando incompleto um poema épico-lírico, escrito em comemoração ao quarto centenário do Rio de Janeiro, sua cidade Natal. Além deste poema, deixa inúmeros textos inéditos. No ano seguinte à sua morte, a Academia Brasileira de Letras concede-lhe o Prêmio Machado de Assis, pelo conjunto da obra. Amada pelo público - até hoje, Cecília Meireles é a poeta mais lida do Brasil. Musical, lírica, delicada, sentimental e rigorosa, esta maravilhosa escritora cumpriu a mais desejada de suas metas : "acordar a criatura humana dessa espécie de sonambulismo em que tantos se deixam arrastar. Mostrar-lhes a vida em profundidade. Sem pretensão filosófica ou de salvação - mas por uma contemplação poética afetuosa e participante."

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