quarta-feira, 30 de abril de 2008

A terra de Cora Coralina


CHAMADA : "Eu sou aquela mulher que fez a escalada da montanha
da vida removendo pedras e plantando flores". Assim pensava a poeta Cora Coralina, que com seu estilo absolutamente pessoal, foi não somente a poeta, mas a grande contadora de histórias de sua terra : Goiás. Embora escrevesse desde muito jovem, a poeta goiana só fez sucesso após os 70 anos de idade, sendo somente conhecida no Brasil, quando completava 90 anos.

“Sou uma mulher da terra”, costumava dizer Cora Coralina, que se achava mais doceira do que escritora. Seus doces cristalizados de caju, abóbora, figo e laranja, encantavam os vizinhos e amigos, e ela dizia que os achava muito melhores do que todos os poemas escritos. Aliais, foi como doceira que conseguiu se sustentar e educar os filhos. Isto porque, Cora Coralina foi a maior parte da sua vida simplesmente uma mulher, ligada aos valores de sua região, à família e a literatura.

Voz viva da cidade de Goiás, Ana Lins dos Guimarães Peixoto Brêtas nasceu no dia 20 de agosto de 1889, na casa que pertencia à sua família há cerca de um século e que se tornaria o museu que hoje reconta sua história, em Goiás Velho. Filha do Desembargador Francisco de Paula Lins dos Guimarães Peixoto e Jacinta Luiza do Couto Brandão, Cora, recebia sua educação feminina em casa, com a professora Silvina. A melhor lembrança que guardava de sua infância eram deliciosas férias que passava na casa do avô. Lá podia livrar-se do duro tratamento que as crianças recebiam em seu tempo de menina: “Criança não valia mesmo nada. A gente grande da casa usava e abusava de pretensos direitos de educação“.

Muito jovem se interessou pela literatura e lia tudo que chegava em suas mãos. Por causa desta paixão acreditava que nunca iria se casar, pois segundo ela na casa da moça romântica “quando o marido chega o fogão está apagado, cinzento, o feijão está cru, esturricado na panela, o menino está sujo, a casa pó varrer e lá está ela, declamando Fagundes Varela, lendo Guerra Junqueiro.” Da leitura para a própria poesia foi um pulo só. Aos 14 anos já criava os seus “escritinhos”, sempre traduzindo a sua paixão pela cores e formas de sua região.

Este romantismo todo, fez com que a poeta escandalizasse sua cidade, ao fugir com o delegado em 1934, com 21 anos, com um homem bem mais velho do que ela e se não bastasse isto, casado e pai de uma filha. O advogado Cantídio Tolentino Bretãs foi a paixão da sua vida. Com ele, foi morar em Jabuticabal, interior de São Paulo, onde nasceram e foram criados seus quatro filhos – Paraguassu, Cantídio, Jacinta e Vicência. Enquanto vivia em São Paulo, criava elegias a sua terra:

“Goiás, minha cidade
Eu sou aquela amorosa
De tuas ruas estreitas
Curtas
Indecisas
Entrando
Saindo uma das outras.”

Em 1922 é convidada por Monteiro Lobato para participar com seus versos regionais da Semana de Arte Moderna. O marido, a proíbe de ir a capital e resignadamente, a poeta aguarda o momento da virada. Este vem em 1934, quando Cantídio morre e para sustentar-se passa a vender doces e livros, pela José Olympio Editora. Muda-se para São Paulo e amadurece seus escritos sobre a literatura, como no poema em que fala sobre como o poeta cria a sua poesia:

“Não é o poeta que cria a poesia.
E sim, a poesia que condiciona o poeta.
Poeta é a sensibilidade acima do vulgar.
Poeta é o operário, o artífice da palavra.
E com ela compõe a ourivesaria de um verso.
Poeta é ser ambicioso, insatisfeito,
procurando no jogo das palavras,
no imprevisto texto, atingir a perfeição
inalcançável.
O autêntico sabe que jamais
chegará ao prêmio Nobel.
O medíocre se acredita sempre perto dele. “

Para Cora Coralina, o valor de sua obra estava justamente na quietude vivida por muitos anos, nas dores e sentimentos de uma vida curtida pelo tempo. Voltou a viver em Goiás em 1956, mais de vinte anos depois de ficar viúva e já produzindo sua obra definitiva. Morava em um velho sobrado, na várzea do rio Vermelho. A porta de sua casa vivia aberta as crianças, amigos, vizinhos e turistas.

O reencontro de Cora com a cidade e as histórias de sua formação abriu as portas do seu espírito criativo. A religião e as festas, a comida típica, as famílias e seus 'causos', tudo era motivo para a escritora poetizar um elo entre o passado e presente da cidade, registrando sua história e fazendo-nos estender as transformações acontecidas na cidade. Como ela dizia: "rever, escrever e assinar os autos do Passado antes que o Tempo passe tudo ao raso".

Nesta época, ainda fazia doces para vender, enquanto aprendia datilografia para preparar suas poesias e apresentá-las aos editores. Cora, que começou a escrever poemas e contos aos 14 anos, cursou apenas até a terceira série do primário, só foi publicar seu primeiro livro Poemas dos Becos de Goiás e outras histórias mais, em 1965, aos 75 anos. Com o lançamento veio finalmente o reconhecimento, de sua poesia como a porta-voz de uma realidade interiorana da terra brasileira, como há muito tempo não se via. O poeta Carlos Drummond de Andrade, surpreendido com a obra de Cora, escreveu-lhe em 1979: "Admiro e amo você como a alguém que vive em estado de graça com a poesia. Seu livro é um encanto, seu lirismo tem a força e a delicadeza das coisas naturais.” Neste livro a poetisa graciosamente de sua condição feminina:

“Vive dentro de mim
A mulher do povo
Bem proletária
Bem linguaruda
Desabusada
Sem preconceitos
De casca-grossa
De chinelinha
e filharada. “

Nos últimos anos de vida, dos 70 aos 90 anos, participou de conferências, homenagens e programas de televisão, transparecendo em cada palavra dita a doçura da alma de escritora e confeiteira.

Em 1984, torna-se a primeira mulher a receber o Prêmio Juca Pato, como intelectual do ano de 1983. Viveu 96 anos, teve quatro filhos, quinze netos e 19 bisnetos, foi doceira e membro efetivo de diversas entidades culturais, tendo recebido o título de doutora "Honoris Causa" pela Universidade Federal de Goiás. Coralina faleceu em Goiânia a 10 de abril de 1985. Logo após sua morte, seus amigos e parentes uniram-se para criar a Casa de Coralina, que mantém um museu com objetos da escritora. Para encerrar, um poema muito bonito Assim eu vejo a vida:

A vida tem duas faces:
Positiva e negativa
O passado foi duro
mas deixou o seu legado
Saber viver é a grande sabedoria
Que eu possa dignificar
Minha condição de mulher,
Aceitar suas limitações
E me fazer pedra de segurança
dos valores que vão desmoronando.
Nasci em tempos rudes
Aceitei contradições
lutas e pedras
como lições de vida
e delas me sirvo
Aprendi a viver. “

Na pedra do seu túmulo está escrito: “não morre aquele que deixou na terra a melodia de seu cântico na música de seus versos”.

Um comentário:

raimunda cardoso disse...

Não conhecia Cora. Agora que estou despertando para a literatura, tive o prazer de encontara-me com CORA. Estou fã dela. Estou fazendo os meus primeiros ensaios aos 64 anos e tenho fé de chagar lá. Obrigada CORA. Raimunda Cardoso