sexta-feira, 11 de abril de 2008

Eugenia

Em dezembro, a coluna História feminina completa um ano de vida. A mulher brasileira foi a personagem principal deste ano e, através de muitas histórias, revelamos como ela conquistou a cidadania, o direito à palavra escrita, a uma beleza própria e livre, ascendendo de maneira surpreendente ao universo das artes. Isto sem falar da maior vitória de todos tempos de história feminina: estar definitivamente participante do mundo do trabalho, onde preconceitos e tabus sexuais ainda estão sendo superados. Este mês, a homenagem é para o nosso time do Bolsa de Mulher, que desde que está no “ar” vem provocando e instigando o público feminino. Uma homenagem que se realiza de maneira histórica, como é a tarefa desta coluna, trazendo à luz a memória de mulheres muito inteligentes, melhor ainda espertas e livres: as jornalistas. Desde que surgiu no Brasil, o jornalismo feminino tem sido um canal fundamental de educação e ampliação de nossos sentidos.Viva estas mulheres que nos colocaram nas manchetes de um novo tempo!

Como é de praxe, comecemos pela primeira repórter que se tem notícia nos jornais, Eugênia Brandão, conhecida mais tarde como Eugênia Álvaro Moreira. Mineira de Juiz de Fora, nasceu em 1898 e veio para o Rio menina no início do século XX. Nesta época, a imprensa só admitia mulheres atuando como folhetinistas e poetisas. Quando a redação do Jornal A Rua, no Rio de Janeiro, aceitou que Eugênia ocupasse o cargo de repórter provocou reações de espanto generalizado em toda a sociedade.

O sucesso como "reportisa", neologismo criado para ela, só aconteceu em 1914, quando emplacou uma matéria de capa no jornal Última Hora. A sua estratégia foi bárbara: primeiro noticiou que deixaria o jornalismo para entrar em um convento, o Asilo Bom Pastor. A notícia causou furor: porque uma mulher tão bonita estaria deixando a vida mundana: seria por uma desgostosa paixão? Misticismo? Depressão? Aproveitando-se do fato de ser mulher, penetrou no asilo para entrevistar a irmã de uma mulher assassinada, no crime conhecido como "A tragédia da rua Dr. Januzzi, 13". Como nenhum outro repórter desconfiou da trama, suas reportagens chegaram ao público de modo inédito causando um enorme sucesso.

Pouco tempo depois, a revista Careta louvou a audácia e a beleza de Eugênia em linguagem caipira: "Apareceu aqui no Rio/ um jorná que chama Rua/ um jorná que sae a noite/ quando está nascendo a lua/ (...) Tem uma moça bonita/ que o cabelo traz cortado/ Usa chapéo como os home, / tem cada um oito damnado".A reportisa também faria parte da redação de dois grandes jornais da época, A Notícia e o País.
Com vinte e poucos anos casou-se com o escritor e também jornalista Álvaro Moreira, com quem teve seis filhos. Em sua casa, recebia intelectuais e militantes políticos de esquerda, principalmente do Partido Comunista. Eugênia era uma das principais vozes do movimento feminista brasileiro e mensalmente criava campanhas a favor do voto feminino. Sua participação política também se estendia às artes e Eugênia foi uma das musas do movimento modernista carioca. Junto com o marido provocou uma renovação no teatro brasileiro, montando peças de autores contemporâneos e baseados na realidade do dia-a-dia, ao invés de tragédias gregas.

Em 1935, funda a União Feminina do Brasil, grupo feminista do Partido Comunista do Brasil, que se uniria a Aliança Nacional Libertadora para compor a frente anti-fascista no Brasil.

Durante o Estado Novo fez uma campanha para libertação da filha de Olga Prestes, Anita Leocádia, e a devolução da neném ao Brasil. O movimento ganhou caráter internacional e a criança foi entregue por Hitler ao governo de Getúlio.

Eugênia foi uma mulher lindíssima. Fumava com cigarros com piteira e charutos em praça pública. O cabelo deliciosamente curto e sempre coberto por um chapéu. Ao desafiar os costumes da época, inventava um novo conceito de beleza feminina. Apesar de ter-se candidatado à deputada federal em 1945, não foi eleita.
Morreu três anos depois, no dia 16 de junho, com 50 anos.

Como veremos nas próximas matérias, poucas mulheres chegaram às redações de jornais até a obrigatoriedade do diploma para o exercício da profissão, em 1969. E, mesmo depois, a maioria se concentrou em publicações dirigidas ao público feminino. Só no final dos anos 70 se iniciou a invasão, visualmente incontestável dos, então, feudos masculinos.

Hoje, nós estamos em toda a parte: nos jornais, revistas, assessorias, rádios e tevês e ocupam todos os postos, sem exceção.

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