segunda-feira, 14 de abril de 2008

Clarisse

Histórias de Mulheres

As mulheres brasileiras conhecem muito pouco de sua história e com isto perdem a oportunidade de perceber que na conquista da autonomia do ser feminino, muitas mulheres ousaram ser originais e criativas diante dos obstáculos de sua época.
Perceber a importância destas vidas femininas, é uma maneira de estimular na nossa imaginação e a criatividade na arte de estar viva e presente neste mundo.

Em Janeiro conheceremos as Mulheres de Bronze, mulheres que tiveram uma existência real, e que forma um conjunto composto por dez obras de arte, 7 bustos e três estátuas, que revelam através de sua impassível existência monumental, o sentido da vida de cada uma destas mulheres.

As Mulheres de Bronze compõem uma poética que articula a memória ao feminino, na medida mesma em que se entrelaça à história do tecido urbano. Ao serem colocadas no espaço público elas se tornaram seres exemplares e cada vida bronzificada é uma virtude, um espírito fundador de uma ordem pública. Ana Amélia - praça Ana Amélia no Castelo, onde foi construída sob sua direção a Casa do Estudante do Brasil. Ana Nery - praça Ana Nery, em frente ao Hospital da Cruz Vermelha, na Lapa, que a tomou como símbolo em suas campanhas assistenciais. Carmen Gomes e Vera Janacopoulos, cantoras líricas que se encontram na Praça Paris, cujo traçado é tributo à cultura erudita européia. Julia Lopes de Almeida e Chiquinha Gonzaga reinantes no Passeio Público, primeiro espaço no Rio de Janeiro, destinado aos vultos artísticos.

Clarisse Índio do Brasil, primeiramente nos jardins da Glória e depois no Largo dos Leões, no bairro onde vivia a aristocracia carioca da belle époque, da qual foi uma estrela. Carmen Miranda, inicialmente no Largo da Carioca num local chamado o Tabuleiro da baiana, porque havia ali um terminal de bonde cuja forma lembrava o tabuleiro imortalizado numa canção interpretada pela cantora. Mas tarde o busto foi removido para engraçar a rua com o nome Carmen Miranda na Ilha do Governador. Imperatriz Leopoldina – Quinta da Boa Vista, em frente ao palácio onde morou com a sua família e incentivou a cultura imperial e Zuzu Angel em São Conrado, onde perdeu a vida em um acidente de caráter duvidoso, representada de maneira mais abstrata, confirmando esteticamente sua vocação para o mundo contemporâneo.

Ao contrário daquelas estátuas de deusas gregas, ou das virtudes públicas: fidelidade, verdade, amor, etc, que desde a antiguidade decoravam a polis, que atribuem de maneira alegórica papéis socais nem sempre fáceis de cumprir para as mulheres; as mulheres de bronze tiveram um existência real e são retratos que nos conduzem à temporalidade da vida e da morte. Revelam o reconhecimento dessas mulheres como indivíduos, com valor e realidade próprios. Este reconhecimento só foi verdadeiramente possível no século XX. Se considerarmos todas as grandes cidades do mundo, veremos que as estátuas de mulheres são em número infinitamente menor do que as dos homens.

Destinadas ao tempo eterno, elas estarão para sempre observando o nosso passear pela cidade, dando solidez às transformações urbanas, habitando na diferença do tempo passado. No próximo artigo, conheceremos a primeira mulher de bronze do Rio de Janeiro, Clarisse Índio do Brasil, personalidade que fala de sua época e de uma certa busca de emancipação, mais feminina e familiar, uma memória um pouco desvalorizada nos dias de hoje.

Clarisse Índio do Brasil

Nasceu em 4 de abril de 1864, no Rio de Janeiro, filha de Ana Rita de Matos Costa Pereira de Faro e do Comendador Antônio Martins Lage. Em 1833, casou-se com Artur Índio do Brasil a contragosto da família e abdicando do seu dote, pois ele era um homem mestiço que não possuía um sobrenome reconhecido, o seu havia sido criado por ele mesmo. Segundo sua neta, Clarisse de Oliveira, os dois se apaixonaram verdadeiramente e viveram o seu romance como os personagens Ceci e Peri, do romance O Guarani de José de Alencar. Só que no caso deles, conseguiram morar juntos e viraram uma referência cultural do Rio de Janeiro da Belle Époque. Por este ato de liberdade, Clarisse Índio do Brasil conquistou a possibilidade de ser uma mulher diferente, que tinha bichos exóticos em casa e desfilava pela rua com o seu Macaco Nero, vestido com roupas imperiais. Na sua casa aconteciam festas muito badaladas, com a presença dos principais artistas da época, como era um costume da época. Ao invés do bar, espaço tipicamente masculino, as mulheres preparavam ceias regadas a poesia e canto, onde podiam discutir livremente os seus pensamentos.

A monumentalização de Clarisse Índio do Brasil se deve a um fato muito especial: o tiro a queima-roupa que recebeu na Av.Rio Branco no dia 6 de outubro de 1919, que levou-a à morte na tarde do dia seguinte. Foi nessa tarde, que diante do pedido de misericórdia da esposa do assassino, Clarisse sussurrou ao marido: "Perdoa, Coração!". O seu assassinato foi cometido sem nenhum motivo aparente. Seguindo sua rotina, no dia seis de outubro de 1919, foi de limusine buscar o marido no trabalho e enquanto esperava-o, na esquina da avenida Rio Branco com Ouvidor, levou um tiro no peito. Segundo sua neta, o chofer acreditou ser um pneu do carro estourando e quando foi abrir a porta para a senhora sair, a viu com a mão no peito a apontar um desconhecido na multidão. O assassino, Mário Coelho, era taquígrafo do Senado e em uma declaração pública fez o papel de vítima: "Sou um tarado. As circunstâncias da vida de mim fizeram um tarado degenerado”.

Clarisse era vista como uma figura "de inigualável sobranceria, ressaltava na turba com a aristocrática beleza de uma fidalga dama de outras eras. Tinha a formosura, a graça, a inteligência, a fortuna e possuía, acima de tudo, esse raro condão de simpatia que é o supremo apanágio das grandes almas: a bondade." Era também famosa por suas doações as instituições de caridade, principalmente de Botafogo, bairro em que morava. No busto, onde estava inscrito em letras de bronze - "A Clarisse Indio do Brazil, os pobres de Botafogo - 1923"; esta imagem foi cristalizada.

À imagem pública de caridade se deveu a sua capacidade de perdoar. Foi o perdão, como única possibilidade de remediar a irreversibilidade do ato que poria fim a sua vida, que marcou definitivamente a mulher Clarisse Indio do Brasil no Rio de Janeiro na época. Falo da cidade como um todo, porque a expressão "Perdôa Coração!" foi elogiada em verso e prosa, não somente por alguns dos mais famosos homens de literatura, como por pessoas comuns que não a conheciam.

Em cada um destes testemunhos, a fatalidade parece ter sido o caminho para a eternidade. De uma esposa "amantíssima", dedicada ao lar e à religião, e o que nos parece é que Clarisse não era bem assim, era uma mulher originalíssima, surge a mulher de bronze, símbolo de sua época. O seu busto se encontra no Largo dos Leões –Botafogo/ Rio de Janeiro, foi o primeiro monumento a uma mulher real, erguido simbolicamente para apaziguar e superar a morte. Esculpido por Honório Cunha Melo, apresenta duas características: o rosto voltado para baixo, como se ela estivesse nos olhando, com superioridade e altivez. Ao mesmo tempo é um olhar piedoso e compreensivo. A segunda, os anjos que ornam a sua roupa. Anjos, que segundo sua neta Clarisse de Oliveira, estavam presentes em todos os seus móveis, objetos pessoais e que fariam a transição delicada da vida mundana de Clarisse para o céu.

Curiosamente, a exemplaridade de Clarisse foi caracterizada de maneira distinta, no busto à do grupo escultórico de mámore que adorna o seu túmulo no cemitério São João Baptista. Neste, ela aparece de corpo inteiro, vestida de modo aristocrático, com o seu colar de pérolas preferido, que hoje está guardado por sua neta Clarisse. Aos seus pés estão ajoelhados um casal e uma criança, como se recebessem da ilustre senhora uma benção ou uma esmola. A cena foi inteiramente construída por seu marido para exaltar a posição de Clarisse na sociedade de sua época. Este fato nos faz desconfiar que se não fosse a tragédia de sua morte, a sua originalidade e ousadia jamais seriam reconhecidas entre os seus pares. No espaço horizontal e hieráquico do cemitério, a Clarisse de mármore foi representada para destacar-se dos seus iguais.

Os iguais aqui não são os necessitados, mas aqueles que pertenciam a sua classe social. A Clarisse de bronze, ofertada à cidade pelos “pobres”, não pertence mais a nenhum grupo social, ela é uma imagem de mulher destinada a todos.

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